“É a Mãe Natureza vomitando o que o homem branco tá fazendo. Ficamos tristes. Os peixes ali agonizando… é ruim de ver. Uma coisa que é sustento não só dos Pataxó, mas de várias famílias, se acabando tudo”, lamenta o cacique Háyó Pataxó ao grupo do Conselho Indígena Missionário (CIMI).
Háyó é líder da comunidade Hã-hã-hãe Naô Xohã, devastada pela contaminação do rio Paraopeba, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Segundo o CIMI, a área, que fica em São Joaquim de Bicas e registrava constantes eventos de caça e pesca ilegal, tinha se tornado uma espécie de reserva ecológica devido à chegada dos indígenas. “A demarcação formal ainda não foi feita, mas eles preservavam toda a região no entorno da aldeia”, declara a coordenadora do CIMI em Minas Gerais, Alda Maria Oliveira.
Agora, parte das 22 famílias que viviam na aldeia estão sobrevivendo de doações, uma vez que todo o sustento dependia do rio. Do Paraopeba, os Pataxós usavam água para beber, tomar banho e irrigar a horta de onde tiravam a comida para o consumo próprio. Além disso, todos os peixes da região morreram já na primeira semana do rompimento da barragem. “O rio está morto e tudo ao redor está no fim também”, reforça Háyó.
Naquele dia 25 de janeiro, cerca de 80 pessoas habitavam a comunidade. Entre elas, sete grávidas, dois idosos e 19 crianças. No dia seguinte, orientados pela prefeitura de Bicas e temendo que o rio transbordasse, eles correram para a cidade. Dias depois, o grupo decidiu voltar. O cacique relatou à coordenação do Conselho Indígena Missionário (CIMI) que a decisão foi em conjunto, pois todos acham difícil encarar o preconceito que sofrem na cidade.
Além de não se adaptarem à vida urbana, eles acreditam que a ligação do grupo com o rio é espiritual. “Nós nascemos de uma gota de água que caiu do céu. Somos povo do rio e das matas. A mata pede socorro e a gente está aqui pra proteger. Nós sabemos lidar com a natureza e não vamos abandonar nosso lar”, disse ao BHAZ o cacique Romildo Pataxó.
Na quinta-feira (31), seis dias após a tragédia, as secretarias de Saúde, Meio Ambiente e Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo de Minas Gerais confirmaram que a água do rio Paraopeba não deve ser consumida sem tratamento, pois apresenta risco a humanos e animais. Depois disso, as grávidas, crianças e idosos da tribo foram levados para um abrigo providenciado pela Vale, que só entrou em contato com a comunidade uma semana após o desastre. O restante do grupo se recusa a deixar o local, até que a mineradora e as autoridades apresentem uma solução definitiva para o grave problema que enfrentam.
A coordenadora do CIMI, Alda Maria de Oliveira, disse ao BHAZ que a situação é caótica. “O rio acabou. O cheiro de peixe morto domina a região. A grande preocupação é como a aldeia vai sobreviver às margens de um rio condenado, gerando impacto em todo o meio ambiente local. Aquilo era tudo o que tinham”.
Além da perda pessoal, o cacique Háyó conta que toda a comunidade está muito abalada pela tragédia. “Nosso povo tem se concentrado em orações pelas famílias e vítimas da lama”, lamenta.
Questionado sobre o futuro da comunidade Hã-hã-hãe Naô Xohã, o cacique Romildo declara: “O rio morreu, mas a gente vai conseguir recuperar o local de alguma forma. Vamos esperar a chuva que traz água limpa e vem pra purificar tudo. Nosso povo é forte. Naô Xohã significa ‘Espírito de guerreiro’ na nossa língua. A gente não vai desistir”, afirma o cacique.