Gula é culpa do ‘bliss point’, diz especialista

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Por que não conseguimos parar de comer salgadinhos, doces e frituras? A resposta, pelo menos em parte, diz respeito a uma expressão americana chamada “bliss point”, ou ponto da felicidade, em tradução livre.

“O bliss point é uma referência da indústria para a quantidade perfeita de açúcar em produtos que nos levarão não apenas a gostar deles, mas a querer mais e mais”, comenta o escritor e jornalista americano Michael Moss, autor do livro Sal, Açúcar, Gordura: Como a Indústria Alimentícia nos Fisgou (2015), em entrevista ao site do jornal britânico The Telegraph. “É uma referência específica ao açúcar, embora tenha sido usado mais amplamente para se referir ao incrível fascínio que os alimentos processados possuem”, completa Moss.

Quando o alimento industrializado possui as quantidades precisas de determinados ingredientes o “ponto de felicidade” é alcançado, tornando os produtos irresistíveis. O problema é que o fascínio refere-se à junção de sal, açúcar e gordura – estes dois últimos raramente se misturam na natureza. A Coca-Cola, com sua mistura perfeita de sabores, é um dos principais exemplos que Moss cita no livro Sal, Açúcar, Gordura. “Você não costuma ter muito sabor de limão, ou de açúcar, ou de qualquer outro ingrediente. Mas, se você ‘ganha’ muito de um só, seu cérebro diz ‘Ôpa! Acho que já é o suficiente’. Eles prestam muita atenção para equilibrar todos os ingredientes, mas especialmente sal, açúcar e gordura”, afirma o escritor.

Vale lembrar que as origens dos alimentos processados remontam ao passado, como nas comidas enlatadas (ração militar) fornecidas aos soldados durante a Segunda Guerra Mundial. Mas foi apenas nos anos 1970 e 1980 que surgiu a “ciência extraordinária para aperfeiçoar nossa reação de gosto”, nas palavras de Michael Moss. Curiosamente nesse mesmo período houve aumento nos níveis de obesidade nos Estados Unidos.

Enquanto não problema nas coisas naturalmente doces, os seres humanos evoluíram para tratar a doçura como uma forma primária de recompensa. O problema piora quando há maior disponibilidade de doces. Segundo o neurologista Francis McGlone, da Universidade John Moores, na Inglaterra, em entrevista para o The Telegraph, “as pessoas, agora, são menos capazes de regular essa recompensa”. “Elas buscam nas padarias açúcar em coisas que não costumavam ser doces. O pão passa a ter um bliss point. Alguns iogurtes têm tanto açúcar quanto sorvete; até mesmo o molho de tomate usado no espaguete pode ter o equivalente a um punhado de Oreos [biscoito] em relação ao açúcar por porção”, diz o especialista.

McGlone, que passou uma década trabalhando com pesquisa e desenvolvimento de produtos na gigante alimentícia Unilever, analisou o comportamento humano em relação à comida. Sabores e texturas – e sua relação com o cérebro – foram algumas das áreas de interesse dele. O neurologista explica que nossos sistemas sensoriais são verdadeiros detectores de “contraste”. Isso significa que mudar as texturas é muito mais interessante para as papilas gustativas e, portanto, para o cérebro, do que os alimentos “entediantes”, que têm sempre a mesma consistência (chicletes, por exemplo, depois do sabor inicial). Assim, uma barra de chocolate ou sorvete derreterá na boca, enquanto as batatas fritas apresentam uma crocância inicial. Ele lembra que as empresas sabem que essas características nos fará comprar mais e mais.