Dúvidas sobre vacinar todo ano contra gripe continuam circulando após o Ministério da Saúde ter concluído sua campanha de vacinação sem atingir as metas: havia a expectativa de vacinar 54 milhões de brasileiros, mas 6,8 milhões deles não se imunizaram, sendo as gestantes e as crianças com até seis anos os grupos que ficaram menos protegidos.
O problema é que os casos de influenza neste ano já são mais que o dobro em comparação a 2017: de janeiro a junho de 2018, foram registrados 3.558 casos, com 608 mortes, segundo o ministério.
Das mortes registradas neste ano, a maioria é de idosos, seguidos por pessoas com doenças cardiovasculares e diabéticos. Ou seja, em 74% das mortes em decorrência do vírus influenza, os infectados tinham, pelo menos, um fator de risco.
Ainda há vacinas disponíveis em parte dos postos de saúde e na rede privada. Para ajudar quem ainda tem dúvidas sobre a vacinação, a BBC News Brasil ouviu autoridades no tema e responde às principais questões sobre o assunto.
Quem tem prioridade?
O Ministério da Saúde disponibiliza doses da vacina no SUS para os grupos prioritários, que têm fator de risco associado caso adoeçam. Fazem parte desses grupos: crianças de seis meses a cinco anos; adultos a partir dos 60 anos; portadores de doenças crônicas pulmonares, cardíacas ou metabólicas e com alterações de imunidade; gestantes; indígenas; profissionais de saúde; e professores.
Em 2018, desde o encerramento da campanha, crianças de 5 a 9 anos e adultos entre 50 e 59 anos que procurarem os postos de saúde com doses em estoque terão prioridade para se vacinar.
Devo tomar vacina todos os anos?
Para estar protegido sempre, é preciso se imunizar anualmente. Dois motivos explicam isso: a duração da imunização da vacina – de 10 a 12 meses – e as mutações do vírus influenza.
“A vacina é feita com os vírus que mais circularam no ano anterior. Quem avalia quais vírus são esses é a Organização Mundial da Saúde, que repassa essa informação aos laboratórios produtores da vacina. Por isso, a composição muda de um ano para outro, sendo necessário se vacinar todo ano”, explica a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, Carla Domingues.
Todos podem se vacinar?
Quase toda a população pode tomar a vacina.
“Ela só não é recomendada para crianças com menos de seis meses de idade, pessoas com alergia grave a ovo e pessoas com história de reação grave anterior à vacina”, alerta o médico e professor da Faculdade de Medicina da USP João Renato Rebello Pinho.
A vacina não é recomendada em alérgicos a ovo porque a sua produção é realizada em ovos embrionados de galinha e a dose pode conter resquícios das substâncias alergênicas.
“Há muita polêmica no meio científico se esses traços (de ovos) são ou não capazes de causar alergia, mas o procedimento correto é conversar com o médico, pois alergias devem ser analisadas caso a caso”, indica a pesquisadora do Instituto Butantan Soraia Attie Calil Jorge.
Além de alérgicos a ovos, também há um alerta vermelho a pessoas imunossuprimidas, ou seja, aquelas que têm o sistema imunológico com baixa atividade.
“Pacientes que tomam imunossupressores ou que tenham alguma doença que ocasione a imunossupressão, como a aids, também devem consultar um médico para orientar se devem ou não tomar a vacina contra a gripe”, completa Jorge.
Posso morrer da vacina da gripe?
Não. Domingues aponta que é comum circularem durante a campanha boatos de que a vacina pode estar associada a ataques epiléticos, sequelas físicas e até morte.
“Não há nenhum registro de que tenha ocorrido qualquer um desses casos em pessoas que tenham se imunizado contra a gripe. E, mais uma vez, vale o argumento: é uma vacina muito segura por ser feita a partir de vírus inativado”, afirma a coordenadora do Ministério da Saúde.
Há efeitos colaterais à vacina?
A pesquisadora do Instituto Butantan explica que é possível observar dor no local da aplicação da injeção e uma leve irritação cutânea.
“Em casos mais raros, febre baixa já foi relatada. Mas em qualquer um desses casos, não é preciso se preocupar. A pessoa deve apenas estar atenta para não confundir os sintomas com alguma outra doença já pré-existente no organismo”, orienta Jorge.
‘Fiquei gripado por causa da vacina’: mito ou verdade?
Domingues explica que diversos mitos circulam no Brasil durante a campanha de vacinação. O principal deles a ser rebatido, para a coordenadora, é o de que se contrai gripe depois de se vacinar.
“A vacina é feita com vírus inativado, ou seja, vírus morto. Por isso, não é possível adquirir gripe a partir da vacinação. Isso é boato”, afirma.
Mas há explicações para esse mito existir: segundo Pinho, a vacina contra a gripe não protege de um simples resfriado.
“Existem, pelo menos, 20 agentes diferentes que podem causar resfriados, cuja sintomatologia é muito parecida com um quadro de gripe. Alguém pode tomar a vacina e, coincidentemente, ter um quadro muito semelhante à gripe, mas o que ela está, na realidade, é apenas resfriada”, esclarece Pinho.
Outra explicação para que pessoas fiquem com sintomas da gripe mesmo depois de vacinadas está na própria composição da vacina, que muda ano a ano.
“A vacina é produzida a partir dos vírus que estão mais propensos a aparecer durante o período de vacinação. Logo, uma pessoa pode se infectar com algum vírus Influenza que não está contido na vacina daquele ano. Aí sim, ficará gripado mesmo estando vacinado”, explica Jorge.
Gripes podem ficar mais fortes em anos diferentes?
Segundo Jorge, sim.
“Como o vírus da gripe sofre modificações ano a ano, apesar de ser sempre o vírus Influenza a causar a gripe, nem sempre é o mesmo tipo de vírus. Eles podem sofrer alterações que tornem os sintomas de uma pessoa infectada mais fortes nas diferentes estações”, explica a pesquisadora.
Não pertenço aos grupos de risco. Por que me vacinar?
“É importante que todos os brasileiros – salvo as exceções – tomem a vacina, pois o vírus se dissipa pelo ar, o que o torna altamente contagioso. Assim, se todos se previnem, teremos menos vírus circulante, pois eles terão menos hospedeiros para se dissipar”, explica Jorge.
“Não há no SUS doses para toda a população do Brasil”, explica Domingues. “Mas há vacina suficiente para atender a todos os grupos recomendados pelo Ministério da Saúde”, diz a coordenadora.
O vírus H1N1 em 2018
O vírus da família Influenza que mais circula em um ano pode ser diferente do vírus de maior circulação no ano anterior.
“Isso acontece porque o vírus Influenza não possui um único tipo. Além disso, ele sofre mutações e o que temos, na verdade, é uma população de vírus Influenza circulando todos os anos”, explica Jorge.
Em 2017, o vírus com maior circulação foi o H3N2. Já em 2018, o H1N1 é o principal responsável pela contaminação de gripe: 66% dos casos neste ano foram em decorrência dele.
Segundo o Ministério da Saúde, todos os tipos do vírus Influenza são preocupantes e igualmente letais.
Domingues garante que, apesar das 608 mortes já confirmadas, não está ocorrendo um surto de H1N1 neste ano, mas é necessário que a população se vacine para evitar que isso aconteça.
“O vírus está entre nós e pode infectar qualquer um que não estiver imunizado, em especial as crianças abaixo dos 5 anos, gestantes e idosos”, afirma.
De onde vem a influenza?
A palavra influenza, de origem italiana, era utilizada nos séculos 18 e 19 para descrever diversas doenças. Com a pandemia de Gripe Espanhola, a palavra se espalhou pelo mundo e passou a ser usada para descrever o vírus causador da gripe. Diferentemente de um resfriado, os quadros gripais podem evoluir para casos muito graves de saúde.
Foi o que aconteceu há 100 anos, com a Gripe Espanhola. Iniciada nos Estados Unidos, essa gripe logo se espalhou para outros países e, nos primeiros meses de transmissão, seu vírus matou mais pessoas que os conflitos da Primeira Guerra Mundial.
Entre 1918 e 1920, pelo menos 50 milhões de pessoas morreram de Gripe Espanhola. Graças às vacinas desenvolvidas na época e as campanhas para imunizar a população, ela foi contida no mundo.
Por ser um vírus capaz de muitas mutações, o causador da Gripe Espanhola já não é mais o mesmo dos dias atuais. Apesar disso, o vírus da gripe, independente da época, é propenso a causar epidemias.
Graças à inserção das vacinas na saúde pública no início do século 20, a circulação de um vírus nunca mais atingiu o nível de pandemia visto em 1918.
“Mas não basta a existência das vacinas, a população precisa se imunizar”, alerta Domingues.