Consumo regular de alimentos amargos favorece a aceitação do sabor

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Foto: Pixabay

Todo mundo sabe que muitas crianças abominam as verduras, por mais saudáveis que sejam folhas verdes como espinafre, agrião e alface. As desculpas costumam ser a aparência nada atraente ou o cheiro “estranho” (como do brócolis). De acordo com um estudo apresentado no 256º Encontro Nacional da Sociedade Americana de Química, realizado entre os dias 19 e 23 de agosto deste ano, a melhor forma de resolver esse “problema” dos pequenos é deixar que o tempo faça seu “trabalho” – eventualmente, será desenvolvido o gosto pelos alimentos desprezados.

Uma equipe de pesquisadores liderada pela nutricionista Cordelia A. Running, da Universidade Purdue, em Indiana, nos Estados Unidos, descobriu que expor repetidamente os indivíduos a gostos amargos permite que as proteínas presentes na saliva tornem sabores como esses menos ofensivos ao longo do tempo.

Vale lembrar que nossa saliva é composta por água e milhares de proteínas, liberadas pelas glândulas salivares, e que são capazes de reagir a diferentes sensações, incluindo amargor, doçura e adstringência ou ressecamento. Elas podem se ligar a compostos de sabor ou a centros de paladar encontrados na boca. “Se pudermos mudar a expressão dessas proteínas, talvez possamos tornar os sabores ‘ruins’ mais fracos”, explica Running em comunicado enviado à imprensa.

O estudo avaliou 64 voluntários durante seis semanas. Durante sete dias, os participantes foram convidados a deixar de comer alimentos amargos. Na semana seguinte, eles foram instruídos a ingerir três copos de leite com chocolate (com pouquíssimo açúcar) por dia, avaliando a amargura e adstringência de cada bebida, ou secura indutora (parecida com o ato de morder uma banana verde). As salivas dos voluntários foram coletadas para avaliação de possíveis mudanças nas proteínas.

Depois de analisar as classificações de sabor dadas pelos participantes e as devidas amostras de saliva, os cientistas notaram que as percepções reduzidas de paladar e textura foram acompanhadas por um aumento de proteínas capazes de se ligar a esses compostos desagradáveis. “Acreditamos que o corpo se adapta para reduzir a sensação negativa dos compostos amargos”, comenta Cordelia Running, no mesmo comunicado.

Embora as adaptações das proteínas salivares tenham ajudado os participantes a superar sua aversão inicial ao chocolate amargo, a pesquisadora esclarece que esses benefícios só seriam “permanentes” se os participantes mantivessem uma dieta cheia de alimentos amargos. Caso contrário, a tolerância cairia novamente.

Os cientistas lembra quem os seres humanos, naturalmente, já não lidam muito bem com alimentos amargos, pois esses sabores, geralmente, servem como alerta para a toxicidade de determinado produto. De fato, alguns vegetais amargos – incluindo folhas verdes – podem ser prejudiciais quando consumidos em quantidades muito altas. Como observa Running, “esses vegetais parecem estimular o sistema de defesa do corpo na resposta a ameaças porque são eles mesmos, em doses muito altas, que geram as ameaças”.

A pesquisa descobriu também que as proteínas se ligaram aos compostos amargos não apenas para melhorar o sabor, mas para impedir que o corpo absorva alimentos “potencialmente perigosos”. Porém, não está claro se isso é uma medida de proteção ou simplesmente um “inibidor inútil” do valor nutricional dos alimentos.

A pesquisadora da Universidade Purdue diz que o próximo passo é estudar as combinações entre compostos alimentares e proteínas salivares, bem como a quantidade de tempo necessário para que haja a adaptação aos sabores amargos. Eventualmente, ela espera avaliar a possibilidade de adicionar um substituto para a proteína salivar na comida, a fim de melhorar o sabor.