O Centro de São Sebastião das Águas Claras, mais conhecido como Macacos, distrito de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, virou cenário para a expressão do medo e desespero de moradores e turistas que transitam pelo local. A desinformação mesmo entre autoridades é a tônica, levando angústia para as pessoas.
Na manhã deste domingo, o principal acesso ao distrito, pela rodovia BR-356, estava fechado, depois que a sirene soou o alarme de uma barragem da Vale próxima ao distrito, no sábado à noite. As estradas mais acessíveis a Macacos são agora pelo condomínio do Engenho ou por Pasárgada.
Das pousadas, das estradas rurais e das vielas locais, o trânsito se fundia no largo da Igreja de São Sebastião, impedindo a fluidez dos veículos em qualquer sentido, sempre parando num dos cinco bloqueios erguidos pela Polícia Militar. Em meio ao caos no tráfego das estreitas vielas do distrito de São Sebastião das Águas Claras, as pessoas se aglomeravam em volta de policiais e guardas municipais procurando informações. Desde o fim da tarde de sábado, o fantasma do rompimento de barragem que consumiu Mariana e Brumadinho arrancou moradores, comerciantes e frequentadores de Macacos de suas casas e estabelecimentos comerciais tornando a rotina pacata e encantadora numa corrida desesperada pela salvação. A tensão era tanta que as pessoas discutiam gravemente com as autoridades, os idosos sentiam palpitações e uma senhora até desmaiou precisando ser acudida.
A Vale disponibilizou micro-ônibus com credenciais da Defesa Civil para evacuar as pessoas que necessitassem, mas os veículos não conseguiam se mover com facilidade pelas vielas estreitas, sobretudo em meio ao fluxo intenso de veículos que também tenta evacuar a área, criando ainda mais congestionamento.
Desespero
Uma bomba em cima da cabeça dos moradores. É essa a sensação relatada por quem vive em Macacos quando o assunto é a Mina Mar Azul, da Vale. Moradores do distrito revelam que foram surpreendidos com o risco de rompimento da barragem B3/B4, no sábado. “Tivemos palestra sobre os riscos da Capitão do Mato (mais conhecida como Barragem de Pasárgada). Sabíamos que a de Mar Azul estava lá, escondida, mas não tínhamos ideia de que pendia para nosso lado, caso se rompesse. Ninguém da Vale jamais mencionou essa questão. Foi uma surpresa para nós”, afirma o comerciante Gabriel Francisco dos Santos, de 28 anos. A Capitão do Mato é uma das 10 estruturas em risco severo de rompimento em Minas, conforme ação movida pelo Ministério Público do estado (MPMG) contra a Vale.
A mineradora afirmou na noite de sábado, por meio de nota, que fez reuniões para apresentação do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) com a comunidade de Macacos, no ano passado. O último encontro ocorreu em 28 de novembro, com cerca de 60 integrantes da comunidade, onde foram apresentados os locais de instalação das sirenes e discutidas as rotas de fuga. Mas, o treinamento efetivo de evacuação, a ser feito pela Defesa Civil Estadual e pela Defesa Civil de Nova Lima, com apoio e participação da Vale, estava previsto somente para junho deste ano. “Durante as reuniões, não fomos preparados para isso. No sábado, ninguém sabia por onde deveria passar”, diz Gabriel.
Ele, que abandonou com a família a casa onde moram, reviveu um drama. O pai dele, o aposentado Jaime Gomes dos Santos, de 73, é sobrevivente do acidente na Mina Rio Verde, também em Macacos, em 2001. Na época, cinco pessoas morreram quando a barragem se rompeu e os rejeitos de minério encobriram dois quilômetros de uma estrada e também causou assoreamento, degradação de cursos hídricos e destruição de mata ciliar.
Jaime ficou soterrado pela lama, dentro de um caminhão, durante 45 minutos. Segundo Gabriel, o pai dele até hoje não se recuperou psicologicamente da tragédia. No sábado à noite, em meio ao caos que tomou conta da população durante a evacuação do distrito, Jaime caiu e precisou ser internado em hospital em Nova Lima.
Perdas às vésperas do Carnaval
Uma madrugada de susto, tensão e muito prejuízo. Não bastasse a evacuação repentina de suas casas, donos de pousadas em Macacos passaram a madrugada atendendo a ligações de clientes que pediam o cancelamento de reservas. O empresário Leon Meilach Lerman, de 43 anos, estava com o estabelecimento lotado para o carnaval. Boa parte dos hóspedes já havia antecipado 50% do pacote. Ao todo, 21 pessoas eram esperadas. “A Vale está dando a assistência aqui (no hotel em BH). Mas, e o prejuízo que ficou lá?. O medo de muitos é ter casas, lojas e pousadas saqueadas no período em que estiverem fora.
Também dona de pousada, Heloísa Cardoso, de 50, conta que todos os hóspedes estão pedindo a devolução do dinheiro. “Nesse caso, somos obrigados a devolver. Quem vai querer ir para uma região ameaçada? O problema é que, na maior parte dos casos, já gastamos esse dinheiro e teremos de cobri-lo. Mas como teremos o recurso, se nossa fonte de renda foi comprometida?, lamenta. “Às 2h, uma família de Itatiaiuçu, onde também houve alarme de evacuação por risco de rompimento de barragem, e que estava indo para Macacos no próximo fim de semana, ligou cancelando.”
Eloísa defende que, com a cidade em alerta e o estrago feito, a evacuação seja total. “Se a barragem romper, as duas pontes de acesso serão engolidas pela lama e o distrito vai ficar ilhado. Estou na luta para tirar os pais de uma funcionária minha que moram à beira do rio. Esses moradores não receberam o indicativo para deixar suas casas, pois a Vale insiste que estão em área de semirrisco. Para começar, risco existe ou não existe.”
Trabalhando numa das áreas mais vulneráveis, bem à margem do Ribeirão dos Macacos, Nagib Catarino da Costa, de 43, subgerente há 20 anos do restaurante Acervo da Carne, precisou deixar o estabelecimento às pressas e não tinha sequer ideia de quando poderia voltar. “Hoje (ontem), era um dia, mesmo que com chuva, para atender cerca de 250 pessoas. Mas está o fracasso. Estou justamente no lugar de onde vem a lama, pelo Ribeirão dos Macacos. O rio passa bem na nossa frente, se romper mata todo mundo aqui no caminho.”
Nascida em Macacos, Geruza França Brasileiro, 38, dona do Café Judith Bistrô, conta que procurou saber dos locais que poderiam ser atingidos por barragens antes de abrir o negócio, mas critica o fato de o poder público e as associações locais não terem tido o mesmo expediente. “Por morar aqui já tinha procurado me informar. Essa é uma das nossas melhores épocas, com o carnaval vindo. Só que as pessoas estão com medo, pois não estão sendo corretamente informadas sobre a nossa situação. Já estos sentindo um baque. E isso, desde Brumadinho.”
“Não peguei nada, só o neném”
O clima entre moradores de Macacos hospedados em hotéis de Belo Horizonte é de incerteza. Num deles, na Savassi, na Região Centro-Sul da capital, duas equipes de funcionários de empresa contratada pela Vale, incluindo assistentes sociais, prestam o apoio às famílias. Como saíram com a roupa do corpo, estão sendo providenciados produtos de higiene pessoal, medicamentos e roupas para quem teve de largar tudo para trás. Transporte para quem vai trabalhar está sendo disponibilizado desde ontem. Hoje, as crianças também terão carro para levá-las às escolas.
A comerciante Débora Marotti Dumont, de 36 anos, diz que só pensou em pegar o filho, o recém-nascido Caetano, de 1 mês e 6 dias. Ainda no período de resguardo e com as dores da cesariana, ela não sabe quando voltará para casa. “Não peguei fralda, remédio, nada, só o neném. Não sabia se subia para a parte mais alta ou se descia. As primeiras informações que recebemos era de que a barragem tinha rompido. Só depois conseguimos confirmar com meu sogro, que mora em frente à associação comunitária, onde estava a Vale, que era uma evacuação preventiva. Mas, sendo assim, poderiam ter nos falado durante o dia”, critica.
Seis pessoas da família dela estão no hotel. A mãe saiu de casa acompanhada dos cinco gatos e um cão e foi para o hotel, que não aceita bichos. “Não tenho nada a reclamar do tratamento que estamos tendo aqui. Trouxeram medicamentos, fraldas e até banheira, além de oferecer roupas para meu filho. Mas me deram tanta coisa, que estou me perguntando por quanto tempo ficaremos aqui ainda”, relata.